sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Dúvidas apócrifas de Marianne Moore

Sempre evitei falar de mim,
falar-me. Quis falar de coisas.
Mas na seleção dessas coisas
não haverá um falar de mim?

Não haverá nesse pudor
de falar-me uma confissão,
uma indireta confissão,
pelo avesso, e sempre impudor?

A coisa de que se falar
Até onde está pura ou impura?
Ou sempre se impõe, mesmo
Impuramente, a quem dela quer falar?

Como saber, se há tanta coisa
de que falar ou não falar?
E se o evitá-la, o não falar,
é forma de falar da coisa?

João Cabral de Melo Neto

Postado por Juliana.

domingo, 25 de novembro de 2007

Livro da Anna Ly

Era o encontro de boas-vindas à Anna Ly, que chegou da Espanha. Para mim, era a despedida do meu amigo Alfredo, que viajou para o Nordeste, em busca de si mesmo, e do que todos nós buscamos: o significado das coisas. Estávamos no apartamento da Letícia, uma pessoa muito bacana. Então, nós quatro ficamos conversando sobre muitas coisas durante a noite, tocando violão, pandeiro, tomando vinho, beliscando tira-gostos, até as três da manhã.
Nessa ocasião, a Anna Ly nos apresentou seu livro, “Desenrolando a língua”, para o público infantil e juvenil. Ela lia os trechos do livro, cantava as músicas do cd e eu me sentia em uma degustação de letras deliciosa. No livro ela mostra a influência que a língua portuguesa recebeu de outras línguas, como a francesa, inglesa, as africanas e indígenas. E no cd, o leitor pode, por meio da música, brincar com o que aprendeu nas páginas escritas.
O lançamento de “Desenrolando a língua” será dia 01 de dezembro a partir das 14 horas na Livraria Manuscritos – cinema Belas Artes e dia 04 de dezembro a partir das 19 horas no Cozinha de Minas.

Postado por Juliana.

sábado, 24 de novembro de 2007

O Jogo do Livro VII: Escolhas em Jogo

O título deste texto é o nome do evento bienal que acontece na Faculdade de Educação da UFMG. Este ano, estiveram lá reunidos escritores, professores, editores e leitores, nos dias 21 a 23 de novembro.
Na conferência de abertura, Magda Soares inverteu intencionalmente o foco do título do evento, ao falar sobre “o jogo das escolhas”. Ela centralizou sua intervenção nos processos envolvidos nas escolhas, isto é, o que nos faz eleger determinado texto? No caso dos professores, como é possível escolher um texto para o outro? E, como resultado de sua reflexão, aparece um dos fatores levados em consideração nesse jogo: a diversão. O texto deve entreter, seduzir.
Na mesa “Escolhas do vestibular”, o professor Luiz Carlos Junqueira Maciel perguntou, em seu provocador artigo, por que é que determinados autores sempre aparecem nas listas dos indicados ao vestibular e outros, nunca. O professor José Américo de Miranda Barros, que participa da elaboração da prova de Literatura do concurso da UFMG, responde que o valor pesa na balança das escolhas. O cânon não pode deixar de ser lido pelos que pretendem conhecer a Arte. Se isto acontecer, segundo o professor, a obra não deixará de ser clássica; quem perde é o próprio leitor, ao escolher textos de literatura menor. (abrirei um parênteses porque não gosto deste termo. Quando classifica-se um texto como literário, não se pode falar em comparações do tipo: menor ou maior. Feita a classificação, a qualidade é inerente a todos eles. Me lembro da mesa sobre Romance Noir, no Fórum das Letras, em que os escritores disseram que tratam dos mesmos temas recorrentes em outros romances: condição humana, conflito etc. No entanto, este fato passa desapercebido ou, talvez, nem chega a ser averiguado e constatado e, então, o pré-julgamento, por ser o caminho mais fácil, acaba se sedimentando).
As escolhas de editores infanto-juvenis me pareceram ser as mais apaixonadas, as escolhas do coração. Pudera, uma vez que a mesa era composta por Maria Antonieta Cunha, Maria Mazzarelo, Rosa Amanda Strausz (do site Doce de Letra, recém-extinto, muito ativo durante dez anos) e Annete Baldi. Rosa disse que, uma vez, escolheu um livro lindo, uma versão em cordel, com ilustrações de primeiríssima. Colocou o maravilhoso livro no meio de vários outros em cima de uma mesa, para que as crianças dessem suas opiniões. Ao pegarem o tal livro, belíssimo, segundo a editora, todas as crianças diziam a mesma coisa: “Esse é chato.”. E ela, então, perplexa, voltava-se para eles e dizia: “Peraí! Vocês nem leram! Vamos abrir o livro.” Depois de folhear as páginas, observando apenas as ilustrações, os pequenos em coro: “É chato, mesmo!”. Na última tentativa de convencê-los de que o livro era bom, Rosa leu a estória para eles e só neste momento a opinião começou a mudar. Rosa percebeu que havia uma imensa pedra no caminho entre o leitor infanto-juvenil e a obra literária: uma pedrona chamada capa. Rosa percebeu, também, que a linguagem considerada banal pelo adulto, contida em um original de baixa qualidade e até com erros ortográficos, pode fazer um sucesso imenso com o público, pelo fato de falar do cotidiano, de fatos que realmente acontecem em suas vidas, como, por exemplo, o surgimento de uma espinha no rosto. Rosa comentou a dificuldade de se desvincular o livro literário da escola. Não existe mercado independente de Literatura infantil e juvenil, que exista para o prazer destes leitores e não, em função de uma obrigação, a prova de Português e Literatura. Mazza falou dos livros que têm como tema o preconceito racial e citou Antonieta Cunha como importante mediadora do processo de aceitação, nas escolas, dos livros da Mazza. Annete Baldi leu trechos de livros da Projeto em que estão presentes a poesia, a brincadeira, o envolvimento do escritor com o universo infantil, com o folclore e os costumes brasileiros. Antonieta Cunha disse que “a melhor coisa do mundo é... – um gole de água e, chorando, – editar.”. Essa frase foi dita depois de ela ter contado as peripécias de cerca de sete mulheres amadoras envolvidas em uma paixão: a editora Miguilim. Para Antonieta, editar é transformar um papel em uma obra de arte.
Temos diversas opções de escolha na encruzilhada das prateleiras das livrarias e bibliotecas. Contamos com alguns direcionadores: o tio que gosta de ler, os pais, o amigo que é leitor voraz, a FNLIJ, os professores de Literatura... mas se a gente quiser seguir nosso instinto, é só ir até a biblioteca pública, olhar as etiquetas das prateleiras, fazer um empréstimo, aproveitar a leitura e emitir um parecer próprio. Assim, vamos, aos poucos, sabendo quem é nosso autor, nosso texto (conto, poesia, romance...), e nosso ilustrador preferidos. No final, temos tantos desses nomes, que é impossível ler todos. Assim, há que se peneirar! Afinal, a vida é muito breve.

“A arte existe porque a vida não basta”
Fernando Pessoa

Postado por Juliana.

sábado, 17 de novembro de 2007

Texto do Arcebispo Helder Câmara. Um olhar sobre a cidade, RJ. Civilização brasileira, 1977.

Como a lua nos lembra o que se passa conosco!
Não há quem tenha seus dias de lua cheia! Tudo correndo bem, saúde boa, família em paz, todos se entendendo e se amando. Se não há dinheiro sobrando, não há dinheiro faltando...
Também não há quem tenha seus dias de lua minguante...A saúde meio emperrada, incompreensões e aborrecimentos em casa, no trabalho, entre amigos, desilusões, cansaço de viver...
Mas volta a lua crescente...volta a esperança. Tudo continua mais ou menos, na mesma. Talvez até pior. Mas, por dentro, há mais coragem, mais força!
E o que nos vale é que variam, de pessoa a pessoa os dias de fossa, os dias de esperança, os dias de alegria plena...Por que, então, não temos paciência uns com os outros e não nos ajudamos mutuamente? Mas, em geral, quem anda em lua minguante tem até raiva de quem anda em lua cheia. Acontece, também, que quem anda em lua cheia, em geral, não tem olhos nem tempo, nem paciência para ficar ouvindo lamúrias de lua minguante...
Ah! Se conseguíssemos o ideal de manter permanentemente em nós o espírito da lua crescente, o espírito da esperança.
Há quem m plena fase da lua cheia anda triste. Há pessoas que, em lugar de aproveitar a felicidade que têm nas mãos, tornam-se incapazes de aproveitá-la, porque ficam o tempo todo pensando que a felicidade é passageira, vai acabar, já está acabando.
Em plena lua cheia, quando o desânimo chegar, vamos expulsá-la, pensando:
- É verdade. Nem sempre será lua cheia. Virá a lua minguante. Mas a minguante passará a crescente e, de novo, a cheia.
Quando nos convenceremos de que é ingratidão deixar que a esperança se apague dentro de nós?...Guardem o título de um livro de poemas, que vale como um programa de vida: FAZ ESCURO, MAS EU CANTO! Sim.
No meio da maior escuridão, em pleno vôo cego, sem enxergar um palmo diante dos olhos, mesmo aí, mesmo assim, temos que manter viva a esperança.
FAZ ESCURO, MAS EU CANTO
!

É interessante notar o emprego da palavra lua para designar o humor das pessoas. Na nossa língua, a expressão “Fulano é de lua” é bem familiar nas conversas informais entre amigos. Em francês, existem as expressões “bien luné” e “mal luné” para indicar a boa ou má disposição de espírito de alguém. O texto acima me motivou a escrever sobre essas mudanças de humor que temos no decorrer de um período de tempo, da mesma forma que a lua muda de fase. O interessante é perceber que essa mudança não se refere somente a determinadas pessoas. Todo o mundo é de lua... Há momentos em que nos sentimos tristes. Outros, em que nos sentimos alegres, e nossos humores vão se alternando. O que o autor enfatiza é que não devemos perder a esperança nos momentos de tristeza. Assim, quando a lua minguante estiver chegando, não nos esqueçamos de que a lua cheia está por aparecer.

Postado por Patricia

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria."

Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, capítulo 13.

Postado por Juliana.
Ao meu querido Maurício.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Miopia


A uma certa altura do terceiro ano do segundo grau, comecei a sentar nas cadeiras da frente para conseguir enxergar melhor o que a professora escrevia no quadro. Experimentei os óculos de uma colega, a Bia (que não se chama Beatriz) e aí... vi tudo! “A miopia é hereditária, você herdou de sua mãe”, disse o médico. Começava minha vida de portadora de óculos e lentes de contato.
As lentes de contato são um negócio caro e chato de manusear. Além disso, irritava muito meu olho, resumindo: não me dou bem com lente. Naquela época de colégio, eu achava lindo usar óculos e aparelho ortodôntico. Hoje em dia, me sinto totalmente anti-sexy de óculos, mas sou obrigada a usar, porque larguei as lentes de vez (sim, porque eu chegava a jogá-las fora, onde estivesse, tamanha era a intolerância que me causavam). Outra coisa: o tal do 'Opti-free' está pela hora da morte e os colírios lubrificantes, que têm como objetivo tornar o uso mais confortável, custam os olhos da cara. Sendo assim, fico só com os óculos, mesmo.
Terça-feira a Pat fez uma consulta em família (irmão, mãe e tia), no oftalmologista. Saíram da clínica os quatro com a pupila dilatada, sem enxergar normalmente! A Pat tinha dez graus de miopia no passado. O irmão dela tem três e se submeteu à cirurgia ontem, com grande sucesso.
Ano passado, lendo a coluna da Ana Elisa Ribeiro no Digestivo, cheguei, através dos comentários, ao texto da Daniela Castilho. Se, naquela época, eu já tivesse sido operada, sentiria uma enorme claustrofobia com aquelas palavras. Se bem me recordo (não voltei ao texto), ela realmente acha lindo e lírico enxergar tudo embaçado. Diz que há formas de se compensar a miopia e ver certos aspectos da vida com outros sentidos, diferentes da visão.
Assim, lembrei-me da aula de Literatura Comparada de título: Grandes problemas de gente pequena: os conflitos de Miguilim. O personagem roseano é de uma especial percepção. Curioso acerca de “questões de adulto”, deixa a mãe até sem respostas, o que a leva a simplesmente dizer que o ama demais. E quando um moço de óculos chega ao Mutum, acontece o que experimentam todos os míopes: a surpresa da nitidez do mundo.
Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. O Mutum era bonito! - agora Miguilim via claramente.


Postado por Juliana.


Foto: Juliana.


quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Nunca cometo o mesmo erro duas vezes

Já cometo duas
3
4
5
6

Até esse erro aprender

que só o erro tem vez.

Paulo Leminski


Postado por Juliana.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Uma viagem ao tempo - PARTE II


Domingo andei por uma parte da cidade que ainda era nova para mim. Na região da estação do trem fica o Centro de Convenções e a Reitoria da UFOP. Dessa vez eu vi Ouro Preto com outros olhos, totalmente outros. Percebi melhor a beleza da cidade. Lá, tudo é desenhado. Não há um só cantinho onde não haja um capricho, um "rebusque"*, uma arte. As janelas e os lustres, então, são, para mim, marcas registradas. Ah, sim! Em Ouro Preto não há varanda, e sim, sacada. Reparei nisso, também. Minha sandália rasteira escorregava pelas pedras do calçamento, enquanto os carros gastavam seus freios ou engatavam a primeira marcha, escorregando, como eu, no pé-de-moleque.
Na tarde de domingo, parti para uma viagem à escrita, por meio de falas de autores como Ondjaki, Ricardo Lísias, Miguel Gullander, Marçal Aquino e Tony Bellotto. Os temas das mesas eram diferentes, mas todos eles disseram uma coisa: a ferramenta do escritor é a imaginação. O que move e inspira é a própria Literatura, são os livros que lemos e admiramos. Assim, aproveitamos a tradição literária e partimos para a originalidade (não como uma obsessão). A própria vida é original em si, cada pessoa é única e, então, não pode falar de assuntos sempre os mesmos, porque vivem o seu tempo. Daí, afirmar-se que não está tudo escrito, nem tudo feito.
Patrícia Reis – não a minha amiga Pat, que quer acabar com a língua portuguesa (veja o ótimo texto dela aqui no blog!) – escritora e jornalista portuguesa, comparou o livro a um bilhete de viagem. Miguel Gullander, sempre utilizando provérbios e metáforas, disse que a palavra seria uma ponte. Ela aponta para algum lugar e pode apontar para lugares diferentes, dependendo do leitor, permitindo que ele acerte em coisas que estão à distância.
Ricardo Lísias respondeu afirmativamente à pergunta: “Você é um autor engajado?”. Sua literatura é uma resistência à banalização, ao espetáculo, ao mau-gosto. A atenção aos temas políticos e ao contexto social no qual está inserido está presente em sua obra.
Com características singulares, cada um com sua voz, os autores escrevem, todos eles, sobre o amor, sobre a relação com o outro. No romance noir, há um certo estigma de literatura menor, em que há um assassino, um detetive e um morto. No entanto, sob a superfície do clichê existem personagens em conflito interior e interacional, motivados por fortes emoções ou torpores, gerados a partir de uma mente que inventa uma nova realidade, capaz de envolver inevitavelmente quem se dispõe a com ela pactuar.
O que é a escrita literária? Um jogo de sedução entre autor e leitor. Para Francisco José Viegas, a literatura policial é um gênero cujo objetivo é criar insones, contando algo que deixe alguém sem dormir.
E, afinal, o que são o amor e a sedução, senão emoção, jogo e olheiras?


*rebuscamento.
Postado por Juliana.

Uma viagem ao tempo - PARTE I




No feriado de 02 de novembro encontrei-me, sem planejar, com o passado histórico, o presente de descobertas e o futuro da criatividade humana. Fui a Mariana e de lá, na Maria Fumaça, cheguei em Ouro Preto.
Mariana é uma gracinha de cidade, a primeira capital de Minas. Possui a beleza da arquitetura colonial e das obras de artistas locais nos ateliês de escultura em madeira, porém, encontramos ali uma tranquilidade gostosa, que talvez não se acha, especialmente no feriado, em outras cidades que fazem parte de roteiro turístico. A estação do Trem da Vale foi o que mais me encantou. Conserva o “ar de antigamente”, incluindo o moderno, de forma muito amigável. Há uma biblioteca com acervo de 4.000 livros, periódicos e DVDs e também, acesso à internet. O vagão Café é uma sacada muito bacana. É um café-restaurante simples e ao mesmo tempo sofisticado, que torna a espera pelo trem um momento super agradável. Chegada a hora da partida, embarca-se em vagões com bancos de madeira bem conservados e ouve-se o conhecido apito de trem, aquele da onomatopéia! Em movimento, é interessante notar que o barulho que o trem faz é exatamente: “café-com-pão, café-com-pão, café-com-pão...”, uma delícia! Uma vez fiz a viagem de Tiradentes a São João Del Rei na Maria Fumaça. O caminho é bem mais bonito, não há tantos túneis e estreitezas, os trilhos percorrem uma paisagem mais aberta. No entanto, o charme da estação de Mariana é imbatível.
Em Ouro Preto, a hospedagem em uma pousada com sacadas e amplas janelas foi um privilégio! Em frente, a igreja Nossa Senhora da Conceição e a república “Sem Destino”, nome sugestivo para quem entra na faculdade, – tantos são os caminhos a que levam os cursos – mais ainda para quem se forma! Sábado à noite, assisti a uma das coisas mais bonitas de toda a minha vida: o concerto da Orquestra Experimental da UFOP, com a participação de músicos da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, no belíssimo interior da igreja vizinha à pousada. Na mesma noite, quem quisesse poderia optar pela música popular, uma vez que na rua da Casa dos Contos rolava um samba, parte da programação do Fórum das Letras.





Postado por Juliana. Continua...

Foto: Juliana.